Recentemente vieram a público alguns dados sobre o Plano Nacional de Barragens. Com o insidioso pretexto de lutar contra as alterações climáticas (como se isso alguma vez lhe s verdadeiramente pudesse interessar, como se mudar os seus sistemas consumistas e economicistas tivesse de facto interesse) o que está em cima da mesa é uma proposta para construir mais não sei quantos muros gigantes de betão, submergir mais não sei quantos milhares de km de área natural, etc. No meio disto tudo, a maioria dos mini caciques das terrinhas bate palmas e ao suposto desenvolvimento que vem atrás dos camiões de betão e de mais uns novos elefantezinhos brancos para o país estrear de novo em horário nobre com pomposas inaugurações, com ministros e afins, com fanfarras e clarinetes, com fogo de artifício e mais ópio para o povo entreter o seu ócio e aborrecimento.
Dois casos me chamam particularmente a atenção: Tua e Sabor. Ainda me custa a acreditar que dois emientes mais que aberrantes atentados ao nosso património comum, cada vez mais depauperado e quase marginal, estejam prestes a suceder com a complacência e resignação de tantos de nós.
Bom, mais do que me alongar em demais comentários, passo a transcrever um comunicado que, a meu ver, contem algum dos aspectos mais relevantes naquilo que se prende com a discussão sobre as barragens. Muito há para dizer sobre o assunto mas creio que o essencial da questão prende-se precisamente com esse aspecto que o GEOTA tem o mérito de descrever: o paradigma despesista e consumista, explorador e destruidor da Natureza, ao invés de um outro paradigma bem mais sustentável, razoável e inteligente, de aprendermos a utilizar os recursos de forma moderada e reflectida em vez de continuarmos a consumir, consumir, consumir mais e destruir, destruir e destruir mais (os poucos que restam) habitates naturais com empreendimentos megalómanos e úteis, sobretudo, aos grandes interesses corporativos privados. Quando a questão diz respeito a privatizar é um autêntico vale tudo: a água, o ar, a saúde, a educação.
Infelizmente, este fenómeno de uma sede insaciável por mega empreendimentos de construção, que em geral levam a lugar nenhum, ou a não outro lugar que não seja mais uma tremenda factura a pagar pelo erário público, é bastante acentuado em Portugal.
Por um lado a especulação imobiliária parece uma questão mais ou menos lateral, mas na realidade não teria dúvidas em afirmar que é um dos mais graves e perniciosos problemas ecológicos em Portugal, e nalgumas outras zonas do mundo também. São razões meramente de ordem económica que estão na origem do fenómeno. Ou seja, de uma necessidade de construir casas suficientes para alojar as pessoas chegámos a uma situação extrema em que se constrói para continuar a alimentar os lucros de alguns grandes grupos financeiros associados ao sector da construção. O que por si só nem seria assim tão grave se nos abstivéssemos de considerar as repercussões inerentes ao fenómeno e os “custos”, sobretudo ao nível ambiental, que a construção implica: tem-se vindo a assistir a uma intrépida e voraz razia dos poucos espaços naturais que ainda iam conseguindo permanecer incólumes. No miolo das áreas urbanas, nas suas periferias, nas zonas rurais e até em plenas áreas protegidas, reservas naturais por exemplo, tem-se assistido a uma autêntica infestação de construções várias, desde abomináveis mamarrachos até resorts de luxo para gente de classe alta e cujo valor do seu dinheiro vale mais que o valor de um património natural único e pertença de todos.
Então o comunicado propriamente dito aqui recuperado:
Plano do Governo está em discussão pública
Ambientalistas do GEOTA contra o plano de barragens para produção de electricidade
04.11.2007 - 22h30 Paulo Miguel Madeira
O Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA) opõe-se ao plano de dez barragens para produção eléctrica do Governo no horizonte 2007-2020, ao qual tece críticas que passam pelo que considera ser a necessidade de dar prioridade a uma política de eficiência e poupança energética. Deste modo, diz, seria possível obter ganhos superiores à produção estimada decorrente deste plano.
Esta organização não governamental de ambiente considera que, com cerca de um terço do custo das dez barragens previstas, poder-se-ia poupar seis a dez por cento do consumo actual, o que representa 1,5 vezes a duas vezes a capacidade (MW) que o Governo prevê instalar com o Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH), que pôs em consulta pública no início de Outubro, durante 30 dias úteis.
O GEOTA explica estas contas com o facto de o país ser um dos mais ineficientes da Europa em termos energéticos, dizendo que a intensidade energética do PIB (a quantidade de energia necessária por cada euro produzido) tem mesmo piorado nas últimas décadas. Afirma ainda que “temos um potencial de poupança de energia eléctrica, técnico-economicamente viável, que ascende a 25 por cento dos consumos”.
O plano do Governo tem como objectivo elevar a capacidade hidroeléctrica instalada para mais de 7000 MW e prevê dez novas barragens para aproveitamento hidroeléctrico, seis das quais na bacia do Douro (um em Foz-Tua e outros cinco no Tâmega), uma no Vouga, outra no Mondego e duas no Tejo (Almourol e Alvito). Outra das críticas do GEOTA é justamente que quase metade do acréscimo de potência anunciado no plano decorrer de duas barragens já previstas (Baixo Sabor e Ribeiradio) e do reforço de potência em barragens já existentes. As novas dez barragens anunciadas vão contribuir com menos de 1100 MW.
O GEOTA, presidido por Carlos Nunes da Costa, critica também que este plano possa vir a ser aprovado antes dos planos de gestão das bacias hidrográficas previstos na Lei da Água, que consagra o princípio da bacia hidrográfica como unidade principal de planeamento e gestão das águas. Para esta organização, “o Governo está a pôr o carro à frente dos bois”.
Outro aspecto apontado é que o relatório ambiental do plano de barragens seja omisso relativamente a uma das alíneas previstas na lei, a que prevê a identificação das “características ambientais das zonas susceptíveis de serem significativamente afectadas, os aspectos pertinentes do estado actual do ambiente e a sua provável evolução de não for aplicado” o plano. Para a organização, “todo o processo foi conduzido de forma muito apressada, duvidosa e atabalhoada, apanhando a opinião pública desprevenida”.
A bacia do Douro é considerada a grande sacrificada, pois tem “o rio principal artificializado e quase todos os restantes altamente intervencionados” e com este plano os sistemas onde a biodiversidade ainda é relevante serão “praticamente eliminados”.
Há também críticas a aspectos do plano como a ideia de potenciação da actividade turística ou a criação de emprego na construção e operação das barragens. Para o GEOTA, barragens potenciadoras de turismo são “uma falácia para enganar autarcas incautos”, pois “Portugal está cheio de albufeiras desertas de turistas”.
Segundo esta organização, os turistas que procuram o contacto com a natureza privilegiam os ambientes que estas barragens vão destruir, como a área envolvente da linha do Tua ou do Castelo de Almourol, enquanto “o turismo de ‘pé-de-albufeira’ é sazonal e de baixa qualidade”. Assim, “é muito provável que o impacto sobre o turismo seja altamente negativo, num domínio em que Portugal tem um potencial único”.
Quanto à criação de emprego, diz-se que a construção de uma barragem é feita sobretudo com recurso a mão-de-obra imigrante e que a sua operação, quando em funcionamento, se faz quase automaticamente, sem gerar emprego local significativo.
Câmaras também protestam
A apreciação negativa que o GEOTA faz ao PNBEPH vem juntar-se a críticas objecções entretanto levantadas por vários autarcas, como os de Constança e Mirandela.
A Câmara de Constança, que fica na confluência do Tejo com o Zêzere, um pouco a montante de Almourol, queixou-se na semana passada (ver PÚBLICO de 31/10) de que a barragem para aqui projectada “prevê a criação de uma albufeira no Tejo e no Zêzere à cota de 31 metros”, o que, sem eventuais obras complementares, significaria a submersão “de toda a zona baixa da vila”, ficando a Praça do Pelourinho debaixo de seis metros de água.
Mas o presidente do Instituto da Água (Inag, que promove a consulta pública), Orlando Borges, diz por seu lado que a barragem só provocará inundações nas praias fluviais da vila e que nenhuma área construída seria afectada a não ser as áreas de lazer à beira-rio. Mas adianta que “se a barragem não tiver condições para avançar será excluída deste programa”.
O presidente da Câmara de Mirandela, José Silvano (PSD), considera “incompreensível” que o Governo decida avançar com a barragem de Foz-Tua, que vai submergir parte da linha do Tua, tornando-a inútil. Os cerca de 60 km que restam desta linha, que vai de Mirandela à Foz do Tua no Douro, são a única ligação ferroviária no Nordeste transmontano e ligam a região ao litoral do Porto, pois entroncam na linha do Douro.
Por seu lado, o presidente socialista da Câmara de Murça mostrou-se “apreensivo” com a construção da barragem do Tua, por ir afectar as vinhas durienses do concelho. Disse no entanto que a barragem também poderá levar mais riqueza à região.
Declarações do presidente do GEOTA
“Garantir trabalho às construtoras”
04.11.2007 - 22h30 Paulo Miguel Madeira
O presidente do GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente), Carlos Nunes da Costa, atribui o lançamento do plano de barragens do Governo “a neste momento ser necessário garantir às construtoras uma carteira de obras a longo prazo”. Isto porque os projectos da alta-velocidade ferroviária (TGV) e do novo aeroporto de Lisboa estarem em banho-Maria, explicou em conversa com o PÚBLICO.
A propósito de declarações do eurodeputado socializa Francisco Assis a opor-se à construção da barragem de Fridão (no Tâmega) e do presidente do Instituto da Águia a admitir a possibilidade de a barragem de Almourol não ir para a frente, questiona: “Onde é que está a avaliação integrada das barragens se já se começou a admitir retirar uma ou outra?”
Nunes da Costa elogiou ao Plano Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) o facto de avançar com uma avaliação ambiental estratégica, o que acontece pela primeira vez (a respectiva legislação data do Verão), mas aponta que foram “queimadas várias etapas”, com “o propósito de obter um resultado rápido”.
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