Friday, December 22, 2006

O consumo nosso de cada dia... em dia de Natal


O consumo nosso de cada dia... em dia de Natal

http://gaia.org.pt/econatal/

As grandes firmas de relações públicas, de publicidade, de artes gráficas, de cinema, de televisão ... têm, antes de mais, a função de controlar os espíritos. É necessário criar "necessidades artificiais" e fazer com que as pessoas se dediquem à sua busca, cada um por si, isolados uns dos outros. Os dirigentes dessas empresas têm uma abordagem muito pragmática: "É preciso orientar as pessoas para as coisas superficiais da vida, como o consumo." É preciso criar muros artificias, aprisionar as pessoas, isolá-las umas das outras. (1)”

O consumo encontra-se instituído, na sociedade moderna e dita ocidental em que nos inserimos, como um valor cultural, como um elemento intrínseco ao(s) nosso(s) estilo(s) de vida e que nos caracteriza enquanto indivíduos. Na realidade, os princípios e práticas inerentes ao consumo, toda a sua dimensão sociológica e utilidade prática no seio do modelo ideológico neoliberal, passam ainda despercebidos à generalidade dos indivíduos e possuem uma preponderância crucial mas subliminar, profunda mas sonegada, na forma como os indivíduos se concebem (e são concebidos) enquanto seres sociais.

O consumo, por definição, é uma actividade que pressupõe a satisfação - geralmente por intermédio de uma troca financeira - de um conjunto de necessidades mais ou menos essenciais dos indivíduos. O cerne da questão é precisamente esse: quem é que determina o que é de facto uma necessidade essencial? Sendo todo o contexto social e cultural fulcral na forma como os seus valores são absorvidos - normalmente de uma forma inconsciente e automática - pela generalidade dos indivíduos, pode-se desde logo presumir que num contexto de acelerada globalização, em que o "American Way of Life" funciona como modelo cultural, social e económico homogenizador, também os conceitos a ele inerentes, como o do consum(ism)o, obedecem à mesma lógica de acentuada "mercantilização" da vida e das relações humanas à escala global.

Ou seja, a utilidade do consumo, numa lógica liberal, está muito longe de se esgotar nessa finalidade "básica" e até "anacrónica" de satisfação de necessidades essenciais à vida humana ou, eventualmente, nem será essa a sua finalidade mais fundamental: um dos principais propósitos do consumo será o de preencher todo o vazio social decorrente da eliminação das formas de socialização e de identidade colectiva anteriores à "revolução" neoliberal. Mais até do que preencher o vazio, a sua utilidade no seio do sociedade global é a de substituir - ele próprio - essas formas, condicionando os indivíduos no sentido de participarem socialmente de uma maneira extremamente conveniente para toda a dinâmica do sistema. Isso só é possível através de diversos mecanismos de comunicação e condicionamento de massas de entre os quais a publicidade será talvez o mais significativo, ou pelo menos um dos mais comuns.

Por outras palavras, de tão precário e volátil que o emprego se tornou, tendo a componente produtiva das empresas sido deslocada para países designados de 3ªmundo (onde estas ficam de forma quase plena a salvo de medidas protectoras dos direitos laborais e, por exemplo, leis de protecção ambiental) tendo a vida social, cultural e colectiva sido esvaziada de conteúdo por um paradigma de pensamento essencialmente economicista, nomeadamente seguindo
pressupostos de apropriação individual de bens materiais, resta ao indivíduo essa função de consumidor. O consumo enquanto princípio existencial, valor de pensamento e projecto de vida. O consumo enquanto meio e fim. Do ponto de vista económico, é um consumo ilimitado que permite manter as taxas de crescimento económico que se encontram na base de todo o sistema financeiro especulativo mundial, isto ao mesmo tempo que os recursos são cada vez mais escassos e, por muito que possa custar perceber, finitos ...

Uma pequena elite ávida de poder, ganância e zeros na conta bancária que continua, com a nossa conivência quase plena, a conduzir os destinos da quase totalidade da população mundial ao mesmo tempo que a Terra de todos nós, e de ninguém em particular, se continua a degradar por via de uma impiedosa exploração parasitária e insaciável.

O consumo possui hoje, portanto, um significado prático e sociológico primordial em todo um contexto determinado por um liberalismo adoptado à escala mundial: muito para além da sua função "pré-histórica" de satisfação de necessidades essenciais, actualmente, as supostas necessidades dos indivíduos - necessidades desde logo, muitas delas, artificialmente criadas pelos poderosos departamentos de marketing das principais corporações – são o pretexto ideal para reproduzir a disseminar o consumo enquanto instituição teológica, dogma cultural e mecanismo prático de alienação colectiva, mas por via de um crescente processo de feroz competição e estratificação individual materialista.

O consumo surge como conduta activa e colectiva, como coacção e moral, como instituição também. Compõe todo um sistema de valores, com tudo o que este termo implica enquanto função de integração do grupo e de controlo social. (2) Ao Domingo já não vamos à missa, vamos ao “shopping”.

Num contexto em que os mecanismos susceptíveis de modificar e configurar toda a conjuntura mundial se encontram, de uma forma ou de outra, apropriados por um conjunto restrito de poderosas corporações - detidas por um grupo restrito de indivíduos - e quando os mecanismos democráticos convencionais são cada vez menos representativos e cada vez mais inócuos - numa sociedade que tende para a homogeneização através desse propósito comum a todos que é o de consumir - um dos poucos fenómenos que parece, ainda, atribuir alguma importância ao indivíduo comum é, exactamente, o consumo. Enquanto consumidores somos teoricamente bajulados por todo o género de promoções e mimos publicitários, técnicas e tácticas de propaganda várias.

Aturdidos que estamos nesse "propósito colectivo" e paradoxalmente ferozmente individualizante que é o de consumir, a nossa consciência social, humana e ecológica é, sobremaneira, alienada e as próprias consequências inerentes ao consumo estão muito longe de ser percepcionadas por todos nós, elos cruciais que somos nas relações existentes entre as deploráveis condições produtivas nos sítios mais remotos do mundo (destruição de habitats naturais, situações de exploração laboral, mecanismos económicos de neocolonialismo) e as condições de consumo, sobretudo nos países economicamente mais poderosos, dado que somos nós que adquirimos esses produtos. Mas é importante salientar que também aí, nos países ditos desenvolvidos, existam enormes disparidades sociais e o próprio consumo não decorre de forma homogénea mas sim, e cada vez mais, é ele próprio sintomático da existência de estruturas socais piramidais, com enormes disparidades entre o topo e as bases.

Enquanto as “classes” do topo consomem produtos obscenamente luxuriosos e altamente ostentatórios, as classes das “bases” não deixam de poder participar no grande festim consumista liberal com uma cada vez maior proliferação de lojas de produtos chineses fabricados, por norma, em condições ambientais e laborais deploráveis. Mas no entanto baratos, e é isso que importa claro.

As repercussões de todo o sistema e do próprio consumo ao nível cultural também não são inestimáveis. Toda a nossa paisagem cultural, as cidades, as estradas, as ruas, os meios de comunicação, estão repletas de mensagens publicitárias induzindo mais e mais consumo. Um consumo obstinado, nada ético e que prejudica muito mais a vida e os seres vivos do que é realmente útil. Consumimos mais, muito mais, por consumir do que propriamente por necessitarmos de facto de satisfazer uma qualquer necessidade real, ou pelo menos uma necessidade que nos traga mais do que uma efémera sensação de felicidade.

Na economia mundial, os ricos tornam-se cada vez mais ricos. Vinte por cento do mundo consomem 80 por centro dos recursos - são dados do Banco Mundial. (O mundo) está cada vez mais nas mãos de 300 ou 400 famílias. Três famílias americanas - entre as quais a de Bill Gates - têm o equivalente ao produto nacional bruto, de cada ano, de 48 estados africanos que representam 600 milhões de pessoas. (3)

O que só demonstra esse propósito bem claro que o consumo adquire hoje, ou seja, o consumo do cidadão comum - cada vez mais restringido em termos de escolhas, dado que cada vez menos e mais poderosas corporações controlam cada vez mais sectores da economia - é o tributo que temos de pagar a esses novos senhores feudais globais. Isto os que podem pagar esse tributo mínimo e não se vêm atirados para o lodo da segregação social.

Como se não bastasse, e só para elucidar ainda melhor acerca da natureza doentia do consum(ism)o, a ONU calcula que o conjunto das necessidades básicas de alimentação, água potável, educação e cuidados médicos da população mundial poderia ser coberta com uma taxa de menos de 4% sobre a riqueza acumulada das 225 maiores fortunas. Satisfazer os requisitos básicos de água e saneamento de todo o mundo custaria apenas 13 biliões de dólares, sensivelmente, a mesma quantia que a população dos Estados Unidos e da União Europeia despende anualmente em perfume.(4)

A questão que urge colocar é como chegámos a este ponto de perversidade? Como é que chegamos a um ponto em que consideramos mais natural o nosso direito a adquirir produtos, mais ou menos, supérfluos de cosmética do que o direito de milhões de seres vivos a uma vida condigna?

Porque a preponderância do consumo apesar de bastante subliminar não é inocente, bem pelo contrário, nós, enquanto consumidores, possuímos uma importância muito relevante quando tomamos as decisões relativas àquilo que compramos e que utilizamos. Por vezes “pequenas” grandes opções podem, de facto, fazer bastante diferença. Existem diferenças enormes entre adquirirmos um produto fabricado na China em condições, em grande parte dos casos, deploráveis e de manifesta exploração laboral e ambiental, e um produto fabricado, por exemplo, localmente em condições das quais temos boas possibilidades de estar informados. Por quem, em que condições, com que materiais, em suma: com que pegada ecológica e social?

Em Portugal, país onde a proliferação de grandes centros comerciais e afins não cessa de aumentar, a fúria consumista é particularmente selvagem e alienadora, com os apelos e induções agressivas ao consumo a aumentaram ao mesmo ritmo que as condições sociais e também ambientais se deterioram de forma muito acentuada, mesmo que esse consumo mais não signifique do que alienação colectiva, destruição e enorme desgaste de habitats naturais, assim como lucros chorudos para grandes corporações empresariais ao mesmo tempo que o comum trabalhador é cada vez mais precário e explorado.



O Natal,



Numa época natalícia, em que o aliciamento ao consum(ism)o adquire contornos de verdadeiro fenómeno de psicose colectiva, urge lançar as bases de reflexão sobre aquilo que nós próprios somos enquanto seres sociais. Será que vamos, em letárgicas visitas aos hipermercados ou mega centros comerciais, continuar a aceitar o papel de meros consumidores apáticos, e reduzir toda as nossas dimensões pessoais, sociais, humanas a uma mera escala de bens materiais que nos pretendem fazer crer ser essenciais para a nossa vida e felicidade?

Será que não podemos acreditar que uma sociedade que se designa por "de consumo", ou seja, descartável, despojada de conteúdo, desumana, se torne numa sociedade bem mais igualitária, fraterna e solidária para todos os seres?

A mudança começa em cada um de nós, na forma como pensamos, agimos e, cada vez mais, na forma como compramos também. Apesar de ser para nós a mais comum, a verdade é que existem muitas outras formas de satisfazer as nossas necessidades mais elementares, algumas delas até sem recurso ao acto de comprar propriamente dito. Possibilidades como a auto-produção, a troca, aprendermos a viver mais e mais com menos apesar de não tanto conhecidas não deixam por isso de ser menos válidas. Mesmo comprando, há muitos possibilidades de o fazermos de forma mais reflectida e moderada, nomeadamente recorrendo a modelos de comércio alternativo, nomeadamente Comércio Justo, Produtos Ecológicos e reutilizados, feitos de materiais reciclados, instituições não governamentais, sistemas de crédito não monetário, comércio de pequena escala e familiar, comércio tradicional. Originalmente o dinheiro seria como um meio intermediário das trocas comerciais. Gradualmente, e sobretudo no âmbito da nova ordem liberal, tem-se vindo a tornar num fim cada vez mais obstinado capaz de nos tornar totalmente dependentes e egoístas.

Não é por isso de admirar que, justamente em nome do dinheiro, os nossos comportamentos de consumo sejam em larga medida “irresponsáveis” e artificialmente ampliados, sem que nada disso nos traga uma felicidade que não uma meramente ilusória. É tempo de comprarmos somente aquilo que verdadeiramente necessitamos para nos podermos sentir felizes, de comprarmos somente os produtos que por detrás da publicidade, das prateleiras repletas de mil cores, das promoções e mais promoções, têm uma verdadeira história da qual se podem orgulhar, e não uma história das que chegam até nós muito mal contadas e até totalmente sonegadas: de milhares de trabalhadores do dito terceiro mundo praticamente escravizados, de multinacionais gananciosas e obstinadas em controlar o comércio mundial, de habitats naturais completamente devastados. Histórias que nós não queremos mais ouvir e ser coniventes. Podemos ser nós próprios, no simples acto de comprar, a escrever uma nova história bem mais bonita, bem mais humana, bem mais de acordo com o mundo, que no mais íntimo de nosso coração, nos atrevemos a conceber e sonhar. Todo o mundo é composto de mudança, e a mudança somos nós próprios, nós somos a mudança que queremos ver no mundo!

Para um Natal diferente, um site repleto de ideias e criatividade para um Natal não consumista e verdadeiramente natalício:

http://gaia.org.pt/econatal/

A propósito do consumo e da globalização, consumo e publicidade um livro absolutamente essencial: No Logo, de Naomi Klein, ed: Relógio de Água

(1) Chomsky, Noam. Duas horas de lucidez. Mem Martins, Editorial Inquérito.
(2) Baudrillard, J. (1996). A sociedade de consumo. Lisboa, Edições 70.
(3) Zanotteli cit. in. Marujo, A. (2003). Missionário "mais incómodo" de Itália quer igreja empenhada contra armamento, Público, nº4671 / 5 de Janeiro de 2003, pp. 21.
(4) Ramonet, I. (1998). The politics of hunger. [Em linha]. Disponível em <
http://mondediplo.com/1998/11/01leader>. [Consultado em 10/01/2003].

versão inicial publicada em: http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=29302&cidade=1


Tuesday, December 19, 2006

A Consciência da Massa


A Cris deu-me a descobrir um texto que, de forma tão primordial, foi capaz de exprimir em verbos, palavras, pensamentos com os quais tão frequentemente me encontro e reencontro sem ser muito capaz de os fazer-se manifestar ... abordei-os em “Be the Change” e foram até cruciais na forma como se estruturou todo o projecto ... no fundo andam “à volta” daquilo que são os padrões “normalizados” de pensar, no que são as normas sociais e culturais da sociedade em que nos inserimos e suas múltiplas implicações ...


Pessoalmente, tenho a convicção de que quando a humanidade atinge este ponto de desumanidade é tempo de parar para pensar naquilo em que nos tornámos e, sobretudo, colocar em causa aqueles que são os padrões de pensamento dominantes. Foi isso que uma grande parte dos portugueses, se calhar a maioria, não fez durante a ditadura fascista, e por isso mesmo tivemos todos aqueles anos de fascismo retrógrado e reaccionário. Foi isso que provavelmente a maior parte dos alemães não fez durante o nazismo. Foi isso que talvez uma grande parte dos soviéticos não fez durante o regime totalitário estalinista. É isso que talvez uma grande parte de nós não faça hoje numa época de acentuado liberalismo económico onde por vezes é mais legítimo um milionário ter uma piscina repleta de água para as suas festas “socialite” do que milhares de pessoas matarem a sede. Vivemos uma época onde se aceita com enorme “naturalidade” a escala de desigualdades e mesmo a “desumanidade” a que chegámos. A perda de vidas humanas, ainda que causada por motivos que muitas vezes se prendem com a enorme injustiça social que existe e uma criminosa distribuição de recursos, é para nós como que banal e aceite de forma totalmente passiva.

Talvez seja tempo de parar para pensar. De parar para pensar em que mundo é que queremos viver e se este está tão bem quanto nos parece (enquanto tivermos consola de vídeo jogos, automóvel e dinheiro para ir às compras no centro comercial).”


in Pereira, Pedro Jorge; “Be the Change you Want to See - uma outra perspectiva do mundo através do voluntariado”, (Porto, Planeta Terra: GAIA, 2006) p.52


A Consciência da Massa

por Nuno Michaels

http://www.nunomichaels.com/


Uma das verdades mais fundamentais - e no entanto mais difíceis de compreender - é a de que as pessoas vivem todas em diferentes níveis de consciência.

Não se assimila esse Ensinamento nas suas mais profundas implicações apenas lendo ou pensando sobre ele; há que observar a maneira como as pessoas agem, pensam, falam, sentem, reagem, vivem. O que lhes ocupa o pensamento. Como usam o tempo. O que as preocupa. Os objectivos que têm na vida. Aquilo de que falam. E então torna-se evidente que todas vivem em diferentes níveis de consciência e, até, o nível de consciência em que vivem.

A grande maioria da Humanidade vive num nível biológico-social instintivo. Nesse nível, as pessoas são condicionadas pelos valores vigentes e pela mentalidade comum. As suas identidades são uma mera extensão das normas, crenças, costumes e tabus da sociedade em que nasceram. Vivem polarizadas na sobrevivência e, se possível, na acumulação de dinheiro, poder e estatuto. No mínimo, precisam de um emprego seguro e um parceiro para acasalar e reproduzir-se. Odeiam a solidão.

Não têm ideias ou pensamentos originais; falam do que toda a gente fala, têm as opiniões que os meios de comunicação, os líderes de opinião e o status quo querem que tenham. Lêem jornais desportivos e revistas sobre programas de televisão, falam sobre pessoas e acontecimentos triviais do dia-a-dia. Gostariam que o mundo mudasse mas não começam por si próprios. Não questionam o que lhes é dito; se os seus líderes lhes dizem que os afegãos são maus e os astrólogos mentirosos, então os afegãos são maus e os astrólogos mentirosos. Assim, bovinamente, sem sequer investigarem o assunto. Consomem bens e serviços de que não precisam de facto e cujo único valor é o próprio acto de serem adquiridos e o estatuto que lhes está associado - na ilusão de que serão mais no dia em que tiverem mais.

Vivem vidas inteiras repetindo os mesmos padrões mentais e emocionais, submersos na sua própria subjectividade e incapazes de se verem objectivamente. Não fazem ideia do que são "energias", "arquétipos" ou "padrões". Não fazem ideia de que a vida é um processo de crescimento e desenvolvimento pessoal e não uma luta pela sobrevivência.

São os autómatos de que o sistema precisa para assegurar a sua reprodução e a manutenção das suas próprias estruturas. Constituem a "consciência da massa".

Libertarmo-nos da consciência da massa tem um preço muito alto. Porque os valores da sociedade são redutores, mas dão segurança - a mesma segurança que um rebanho dá a uma ovelha.

Evoluir para outro nível de consciência implica questionar e pensar por si mesmo; implica ser incompreendido e ridicularizado por quem não vê mais longe. Implica conviver com as conversas ocas, mecânicas, de quem nos rodeia. Implica ser livre. E a sociedade não gosta de indivíduos livres, porque são uma falha no sistema e um mau exemplo para os autómatos - e esses é que fazem falta, para que tudo isto funcione..."

Nuno Michaels
http://www.nunomichaels.com/


Monday, December 18, 2006

a Cidade


*Improviso ordinário sobre a Cidade Maravilhosa*


Uma cidade é

um amontoado de gente sem terra.

Antes não, nem tanto, antes

havia quintal e no Campo de Santana

as negras lavadeiras

estendiam na grama a roupa enxaguada.

Ah, que saudades de ver roupa na grama!

Já não,

já não que a lira tenho desatinada

e a voz enrouquecida

e não do canto

mas de ver que venho

falar de uma cidade endurecida,

falar de uma cidade poluída

falar de uma cidade

onde a vida é

cada dia menos do que a vida:

asfalto asfalto asfalto

e mais assalto

na Tijuca, na Penha, na Avenida

Nossa Senhora de Copacabana

em pleno dia.

Uma cidade

é um amontoado de gente que não planta

e que come o que compra

e pra comprar se vende.


[passagem de poema de Ferreira Gullar, Na Vertigem do Dia]