Uma ecoreflexão sobre a Água
Publicado na “Revista Vegetariana nº5”, Edição de Outono 2010
Pedro Jorge Pereira
Já todos ouvimos ou lemos nalgum lado, ou em vários lados, que a água é um bem precioso. No entanto coloca-se a questão de saber em que medida esse dado terá sido suficiente para efectuarmos mudanças realmente profundas no nosso próprio estilo de vida e, particularmente, naquilo que à água diz respeito.
Sendo na verdade um bem “tão valioso”, não deixa de ser paradoxal pensar que é precisamente na água que são lançados a maior parte dos resíduos domésticos e industriais (sobretudo os líquidos) produzidos pela nossa sociedade consumista. Na verdade todo o sistema de tratamento de esgostos é um enorme paradoxo e, porque não dizer, uma tremenda estupidez: Lançam-se na água toneladas e toneladas de resíduos, nomeadamente feses, urina, etc. para depois se terem de gastar milhões e milhões de euros a tentar tornar essa água que se contaminou minimamente “aceitável”. Claro que o dinheiro gasto é apenas um dos aspectos da questão. Raramente os sistemas de tratamento funcionam plenamente e raramente as soluções técnicas tornam possível uma total recuperação da qualidade da água.
Por outro lado não deixa de ser interessante referir que é precisamente a sua imersão na água que torna o processo de decomposição natural por exemplo das fezes demorado e complicado.
Claro que é assustador pensarmos em restruturar completamente todo o sistema de tratamento de esgostos mas de certa forma, ainda que passível de demorar décadas, é uma medida que deveria pelo menos começar a ser pensada se queremos resolver realmente a questão. Já existem diversas soluções, para já ainda de pequena escala, alternativas de sistemas de tratamento de resíduos. As “Casas de Banho Secas” são um óptimo exemplo de uma solução com baixos custos em termos de investimento e com um resultado em termos de tratamento praticamente 100% eficaz. Um site nacional sobre o assunto e que vale a pena visitar encontra-se em:
http://casasdebanhoecologicasportugal.blogspot.com/
Outros sistemas também bem sucedidos recorrem ao tratamento através de plantas que efecutam a depuração das águas e lamas contamiandas. São uma espécie de “pântanos” que, na realidade, constituem-se como um sistema biológico de tratamento de águas residuais.
É também fundamental referir que no que diz respeito aos consumos urbanos, cerca de metade desses consumos (à volta de 40%) prendem-se com o funcionamento das casa sde banho e cerca de 28% (!!! quase 1/3 de todo o consumo) com o autoclismo (1). Também aí o paradigma de consumo não deixa de ser no mínimo questionável se pensarmos que estamos a “desperdiçar” água potável e limpa para enviar os resíduos para os esgotos ao mesmo tempo que as águas ditas “cinzentas”, ou seja, as águas que resultam por exemplo dos banhos e lavagens, poderiam e deveriam perfeitamente ser aproveitadas para esse fim.
De certa forma a questão fundamental é que se continua a utilizar a água numa óptica marcadamente consumista, ou seja, acreditando-se que é um recurso, ou um bem, ilimitado e em relação ao qual não existe a relação de respeito e consciência que deveria existir. É fácil esquecer que a água canalizada é um “luxo” só mais ou menos recentemente adquirido pela maior parte da população portuguesa e que essa água não é de facto um “bem aquirido”. Em larga medida continua ainda a ser um luxo pois só uma parte da população mundial tem acesso a água potável e uma parte ainda menor tem acesso a água canalizada. Considerando os padrões de consumo actuais:
"Em Portugal o consumo médio de água anual num agregado familiar com quatro pessoas é de aproximadamente 180 m3 de água, o equivalente a 15 m3 de água por mês [por agregado ou 3,75m3/mês/pessoa]" (2)
"Cada pessoa com acesso a água da rede pública em Portugal consome, em média, pelo menos 154 litros de água por dia" [cerca 4,6m3/mês/pessoa] (3)
Não é preciso pensar muito para constatar que consumimos demasiada água. A mudança, acima de tudo, tem necessariamente que ser “cultural” e “educacional”. Provavelmente se não fizermos esforços realmente significativos e voluntários tendentes a reduzir os nossos padrões de consumo (também no que à água diz respeito) em breve teremos possivelmente que fazer esses esforços coercivamente, sobretudo devido à escassez e destruição de recursos naturais que o nosso estilo de vida esbanjador está a provocar. Portugal, nomeadamente face às alterações climáticas que infelizmente já se fazem sentir, será previsivelmente uma país muito afectado pela ausência de água dado que uma parte muito substancial do solo nacional encontra-se já numa situação técnica de desertificação. Não obstante, e mais uma vez paradoxalmente, continua-se a aprovar a construção de campos de “golf” e a edificação de “resorts” turísticos com indíces muito elevados de consumo de água precisamente em algumas das áreas mais críticas em termos de carência desta.
Àparte de todos essses aspectos fundamentais, e no que há água diz respeito, há um outro aspecto fundamental que raramente é mencionado ou analisado: O impacto que a nossa alimentação tem em termos de consumo de água, sobretudo se pensarmos numa alimentação não vegetariana.
Só para termos uma pequena ideia, aqui ficam alguns dados que dizem por si só imenso (senão mesmo tudo):
- Actividade responsável por mais da metade de toda a água consumida para todos os fins nos Estados Unidos: Criação de gado
- Número de litros de água necessários, na Califórnia,
para produzir 1kg comestível de:
Tomates: 39
Alface: 39
Batata: 41
Trigo: 42
Cenoura: 56
Maçã: 83
Laranja: 111
Leite: 222
Ovos: 932
Galinha: 1.397
Porco: 2.794
Carne de boi: 8.938
- Quantidade de detritos (fezes nomeadamente) produzidos a cada segundo por animais criados para consumo humano: 125 toneladas (o peso de 15 elefantes africanos adultos)
- Para se produzir cerca de meio quilo de carne bovina são necessários 7,5 kg de cereais, 9500 litros de água e energia, equivalente a quase 4 litros de petróleo.
- Na produção de uma dieta carnívora utilizam-se 48 m litros de água por dia, 2400 litros diários seriam o suficiente para a produção de uma alimentação vegetariana.
A magnitude destes dados é assustadora não é?
O impacto ecológico da produção pecuária é brutal não só em termos de recursos (da quantidade de água) que exige mas também em relação aos detritos produzidos e que, fatalmente, acabam lançados nas águas dos nossos rios e lençois freáticos.
Só para se ter uma pequena ideia da realidade nacional, diga-se que uma das áreas com maior concentração de suíniculturas do país, a região de Leiria, é também uma das áreas que apresenta maiores problemas em termos de poluição fluvial. O rio Liz, por exemplo, encontra-se praticamente contaminado com os detritos resultantes das explorações pecuárias, como podemos ver num artigo muito recente do Público-Ecosfera (4)
A realidade não é muito diferente no que diz respeito a aviários e, sobretudo, explorações bovinas. Para utilizarmos água de forma consicente é fundamental adoptar toda uma série de medidas de poupança e de redução significativa dos consumos, medidas que vão deste a adopção de hábitos de consumo mais saudáveis e equilibrados até à reutilização das águas usadas por exemplo para rega. Mas será que podemos ser “ecológicos” e, ao mesmo tempo, continuar a comer carne, sobretudo nas proporções que esse consumo adquire no nosso mundo dito “desenvolvido”?
Tendo noção do impacto que a produção pecuária aduire em termos de quantidades de água consumida e de detritos produzidos (quer em termos quantitativos, pelo seu volume, quer em termos “qualitativos”, pela grau de dificuldade e custo que o seu tratamento implica) será que nos podemos dar ao luxo de querer poupar água e, ao mesmo tempo, continuar a comer carne sobretudo nas proporções que a grande maioria das pessoas ainda o faz actualmente?
A adopção de um estilo de vida vegetariano, ou pelo menos maioritariamente vegetariano, não é só uma atitude ética positiva para com os animais que são explorados e sacrificados para a “produção” de carne. É também um gesto de respeito para com o próprio Planeta Terra e de protecção dos habitates naturais ameaçados e sacrificados para a produção pecuária. Ao mesmo tempo, evitar a destruição desses habitates é também um gesto de protecção de toda a vida selvagem (fauna e flora) que deles depende. E é importante não esquecer que também a nossa própria vida depende da existência de habitates naturais preservados (florestas que nos fornecem o oxigénio vital à vida, rios com água limpa e saudável, etc.)
Há sempre imenso que podemos fazer e mudar para tornar o nosso estilo de vida mais equilibrado e com um impacto ambiental bem mais pequeno. Uma grande parte dessas acções e mudanças passam, sem qualquer dúvida, pelo nosso prato. Na escolha consicente e informada daquilo que realmente optamos, ou não, por incluir na nossa alimentação.
Uma das formas mais directas de preservar os nossos recursos hídricos é evitando contribuir para algumas das actividades que maior ameaça têm vindo a constituir para esses mesmos recursos, nomeadamente a indústria pecuária e a agricultura industrial, que recorre amiúde a fertilizantes e pesticidas químicos que inevitalmente escorrem para os cursos de água superficiais e subterrâneos.
Agora que já sabes, o que vais escolher para o jantar?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Planeta Azul – Portal do Ambiente e Sustentabilidade sobre o “Consumo de Água”
http://www.planetazul.pt/edicoes1/planetazul/desenvArtigo.aspx?c=2249&a=15762&r=37
(2) Semanário Labor.pt
http://www.labor.pt/noticia.asp?idEdicao=113&id=5217&idSeccao=1070&Action=noticia
(3) Blog Ambiente e Qualidade de Vida
http://ambientequalvida.blogs.sapo.pt/42283.html
(4) Público – Ecosfera
Poluição já atinge a foz do rio Lis em "níveis preocupantes"
http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1441954
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