Caros, prejudiciais à saúde e destrutivos—mas ainda por cá. Porquê?
http://carbusters.org/2010/09/28/expensive-unhealthy-destructive-%E2%80%93-but-still-here-why/
texto original de Roger Bysouth na revista CarBusters tradução de Ana soares
Existem actualmente provas irrefutáveis que confirmam sem sombra de dúvida que os carros têm um custo económico enorme nas sociedades de todo o mundo: perda de saúde e vidas humanas, degradação do ambiente urbano, um clima alterado e um fardo económico igualmente partilhado por condutores e não condutores. Contudo, embora estejamos cientes de todas estas consequências negativas de longo alcance, parecemos incapazes de lidar com a ameaça do automóvel. Neste artigo, Roger Bysouth explora por que razões é assim e o que podemos fazer para mudar. Andar de bicicleta é saudável, em comparação com conduzir. Toda a gente sabe isso, mesmo o condutor mais inveterado. Isto podia não interessar muito se os transportes fossem uma actividade marginal que tomasse apenas uma parte muito pequena do tempo das pessoas e dos recursos do planeta. Mas a tendência mundial é em direcção a menos actividade física, mais condução e consequentemente pior saúde, principalmente através da obesidade e poluição. Conduzir carros é apenas um factor, mas um factor muito importante. Depois há as mortes na estrada e os ferimentos. A Organização Mundial de Saúde (OMS), no seu Relatório Mundial Sobre o Estado da Segurança Rodoviária, 2009, prevê que as mortes na estrada aumentarão de 1,2 milhões por ano (a nona maior causa) agora para 2,4 milhões por ano (a quinta maior causa) em 2030. Em 2007, os acidentes rodoviários custaram ao Serviço de Saúde Nacional Britânico 470 milhões de libras por ano e à economia britânica 8 mil milhões de libras por ano; tudo dinheiro que poderia ter sido melhor gasto.
Um grande assassino
A poluição e a falta de actividade física que os carros implicam contribuem para a maioria dos outros grandes assassinos que a OMS identifica no mundo actual. Colectivamente, conseguimos reduções extraordinárias em mortes por doenças transmissíveis. Mas parecemos incapazes de lidar com a ameaça dos carros, uma causa principal de outras doenças preveníveis, como a doença coronária, diabetes tipo 2 e cancros que são causadas directamente pelos nossos hábitos. A nossa avaliação do risco de saúde provocado pelo nosso estilo de vida parece errónea, como se estivéssemos em negação.
Conduzir carros tem ainda um efeito mais alargado na saúde. A maioria das mortes provocadas por ferimentos na estrada na maior parte do mundo, tal como calculado pela OMS no relatório acima referido, não são de condutores, mas de utilizadores vulneráveis das estradas (ciclistas, motociclistas e peões). Esta má saúde proveniente da poluição veicular afecta desproporcionalmente os pobres do mundo. Em última análise, os carros estão a contribuir para a mudança climática e assim a ameaçar o ambiente do qual a saúde e o bem estar de todos nós depende. Os cuidados médicos são uma parte do que determina a saúde. O restante é genético, que não pode ser alterado, ambiental e social, que pode se mudado para melhor ou para pior. A cultura automóvel danifica muitas destas componentes: as redes de apoio social e um ambiente protegido da poluição e da ameaça de ferimentos, que oferece a oportunidade de ser fisicamente activo.
Se estamos cientes das suas consequências adversas para a saúde, por que é tão persistente a cultura automóvel? Por que pode parecer uma adição para muitas pessoas? Como se tornou uma pandemia? E o que podemos fazer acerca disso?
Um fenómeno complexo
Não há uma única resposta. A maioria das respostas relevantes são perspectivas acerca do que é a cultura automóvel. É vista como uma ideologia; um sistema de crenças; economia; doença e hábito. Se a queremos combater, devemos primeiro reconhecê la como um fenómeno multi facetado que funciona a vários níveis que se reforçam mutuamente. Se queremos ter algum impacto em algum aspecto dela, por exemplo se as instituições de saúde quiserem diminuir o impacto adverso dela na saúde, temos de a combater a todos os níveis.
Seria útil olhar para as formas como outras emergências médicas preveníveis foram abordadas. Desde 1945 que muitas grandes doenças transmissíveis foram refreadas. Recentemente foi obtido sucesso em banir o fumar no oeste/norte. Nenhum destes assuntos era uma doença que requeresse uma resposta meramente médica.
As atitudes em relação ao fumar mudaram no espaço de uma geração. Onde fumar era norma para a maioria dos adultos e a exposição uma parte aceite da vida quotidiana, as coisas são agora muito diferentes. Muitos Estados, todos a receber retorno de impostos por cigarros legitimamente vendidos e alguns a lucrar de um monopólio de manufactura doméstica de tabaco, tentaram dissuadir as pessoas de fumar por razões de saúde. Os seus motivos não são apenas altruístas. O custo de lidar com doenças relacionadas com fumar é gigantesco.
E tudo isto foi conseguido apesar da publicidade ao tabaco, em parte porque esta foi frequentemente restringida desde os anos 60. A visão popular do fumar mudou. Em muitos sítios, é agora socialmente e legalmente inaceitável fumar em locais públicos incluindo locais de trabalho.
Algumas das lições para abordar a cultura automóvel são:
Atitudes aparentemente enraizadas podem mudar. Veja-se como os Holandeses aumentaram o ciclismo nos anos 70 como resultado da acção do Governo (ver Lyn Sloman’s Car Sick, Green Books, 2006, p. 98). A legislação pode ajudar a persuadir as pessoas a mudar o comportamento, mas não funciona por si só. A vontade política é crucial. Os Governos desejam crescimento económico e a indústria automóvel é vista como central nas economias nacionais. Por isso, desafiar a indústria automóvel não é opção para a maioria dos governos. Este artigo está a ser escrito durante a campanha das eleições gerais do Reino Unido. Todos os maiores partidos concordam firmemente na necessidade de fomentar o crescimento económico, inclusive através da indústria automóvel. Influenciar as pessoas através dos media pode ser eficaz. Tanto quem faz publicidade como especialistas em saúde pública podem fazer a diferença. Estas lições podem ajudar-nos a elaborar reacções diferentes que vão de encontro aos muitos aspectos da cultura automóvel. Talvez as mudanças mais importantes necessitem de ser feitas nas mentalidades das pessoas.
Incentivos e dissuasores
A nível económico há uma grande variedade de incentivos e dissuasores para persuadir as pessoas a mudar as formas de transporte: melhoramentos nos transportes públicos e melhores condições para peões e ciclistas, bem como aplicação de taxas, cobrança por congestionamento e racionamento de carbono. É necessário abordar outros assuntos económicos, como a propriedade automóvel (e os baixos custos extra marginais do uso de carros). Em Estados democráticos é também importante consciencializar as pessoas acerca dos custos financeiros que os fabricantes de automóveis actualmente tornam públicos na sua contabilidade, obrigando o Estado a escolher: especialmente nos custos dos tratamentos de doenças preveníveis, infraestruturas para transportes, etc. Não seria melhor ter a possibilidade de gastar noutras coisas?
Outra área através da qual as pessoas podem ser influenciadas é a publicidade em si. A cultura automóvel é constantemente reforçada pela publicidade da indústria automóvel e o seu poder é enorme, muito mais forte do que a indústria do tabaco alguma vez foi.
A indústria automóvel defenderia indubitavelmente, tal como as tabaqueiras, que não pretende aumentar o número total de compradores de carros, apenas aumentar a fatia de mercado da própria empresa. É verdade que há muitas outras formas através das quais a cultura automóvel recruta convertidos, desde brinquedos infantis (especialmente brinquedos para rapazes), a revistas populares acerca de carros e programas televisivos acerca do tema. Como produtos comerciais existem porque há procura. Mas, a par da publicidade a carros, são o meio diário pelo qual a cultura automóvel é estimulada.
O efeito persuasor
Um caminho semelhante para influenciar as pessoas é o efeito persuasor (Richard H. Thaler and Cass R. Sunstein, Nudge, Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness, Penguin, 2009). Enquanto se salvaguarda o direito das pessoas a escolher uma opção não-saudável, a persuasão molda a forma como são oferecidas as escolhas às pessoas, por isso, a não ser que tenham objecções fortes, é provável que escolham a opção saudável. Os exemplos incluem a persuasão levada a cabo pelas autoridades Britânicas no sentido de fazer a população trocar os carros (ver www.smartertravelsutton.org).
As campanhas de saúde pública podem guiar-nos na escolha de mensagens. Vários estudos demonstram que às vezes as pessoas podem decidir mudar comportamentos relacionados com a saúde em reacção a mensagens chocantes ou que instiguem vergonha. Mas é mais provável que reajam a mensagens encorajadoras e práticas que as ajudem a lidar com problemas práticos que poderiam de outra forma fazê las regredir aos hábitos antigos. (Ver Geoff Mulgan, Influencing Public Behaviour to Improve Health and Wellbeing, an independent report, 2010.) O tratamento da adição também sugere modelos para influenciar indivíduos dependentes de automóveis. Aqui estão apenas alguns dos muitos paralelismos entre adição e cultura automóvel:
uma actividade arriscada de busca de prazer a dependência é tanto psicológica (acreditamos que não podemos passar sem isso) e física (má saúde tal como obesidade, engendrada pelos carros, torna nos mais dependentes deles) negação acerca da escala do problema sintomas de desabituação—o que mais serão o stress e a raiva na estrada relacionados com o facto de ficar preso no trânsito?
Um “direito natural”?
Finalmente, uma das nossas crenças centrais acerca da condução de carros é a de que é um “direito natural”. Assim, encontramos atitudes enraizadas, por exemplo, a de que os condutores têm o direito a usar as estradas como querem e ao combustível a um preço que definem como comportável. Estas crenças são reforçadas pela publicidade e outros transmissores da cultura automóvel: as organizações de lobbying automóvel e os media. Mas sabemos que tais atitudes não são universais. Lyn Sloman (op. cit. p. 56) explica que os condutores de carros não são todos inamovíveis na sua “adição”. Ela cita provas acerca de aproximadamente metade de todos os condutores necessitaria de pouco incentivo para reduzir o uso do seu carro. Podem ser necessários meios diferentes para alterar o comportamento de outros condutores; assim a cultura automóvel já não parece tão monolítica como atrás. A retratação, neste artigo, de algumas respostas possíveis apenas aflora a superfície do assunto. A chave é compreender melhor a variedade da cultura automóvel. Isto exige a mais difícil das tarefas: olhar para o que tomamos como garantido todos os dias e questioná-lo.
Roger Bysouth trabalha no Governo local no Reino Unido e é escritor e ilustrador por conta própria. Tem uma bicicleta e uma Brompton à disposição, através do sistema de ciclo de empréstimos isento de impostos do seu empregador.